Por Francis Ivanovich:

Em 31 de março de 1964, há 60 anos, acontecia o golpe militar no Brasil, quando ocorreu a deposição do presidente João Goulart, barrando a Quarta República, iniciando a ditadura que durou 20 anos.

Um dos períodos mais sombrios de nossa história, cujo fantasma ainda assombra nossos dias, refletido na violência do 8 de janeiro de 2023, quando Brasília foi invadida por simpatizantes de uma ideologia degradante.

Com a ditatura, não tardou aparecer em cena um dos seus mecanismos mais perversos, a abominável censura, que tentou impor silêncio ao pensar e ao fazer artístico, justificando suas ações com base em critérios morais e políticos, definindo o que o público poderia ler, ver, ouvir, presenciar e sentir.

A censura viu no Teatro um dos palcos mais perigosos.

Não foi por acaso que o Teatro foi um dos segmentos artísticos mais perseguidos. A censura tentou impedir a todo custo que o Teatro enviasse mensagens contrárias aos interesses do regime militar, e esta era a sua missão e de seus agentes, que muitas vezes se infiltravam na plateia, durante a encenação.

No entanto, o Teatro brasileiro não se acovardou diante da violência praticada contra atores, atrizes, dramaturgos, técnicos. O Teatro não recuou e tornou-se, em pouco tempo, uma poderosa trincheira de resistência democrática, cavada nos palcos e em espaços possíveis, sempre pronto para manifestar-se contra a opressão.

Em São Paulo, a trincheira do Teatro de Arena resistiu com a dramaturgia libertária de Augusto Boal, que teve de ir para o exílio em 1969; o Teatro Oficina resistiu, com o carismático Zé Celso e montagens como o “Rei da Vela” (foto imagem acima); no Rio de Janeiro, o Grupo Opinião, de João das Neves, que resistiu atuando e cantando contra a ditadura; em Belo Horizonte, trincheira do Teatro Marília, local onde integrantes da classe teatral mineira formaram grupos de resistência e enfretamento à censura.

Ainda lembro uma das experiências pessoais mais constrangedoras, em 1983, durante o governo do general João Batista Figueiredo, último ditador, quando iniciava minha vida no Teatro, e tive de ir, juntamente com meus colegas, à sede da Polícia Federal, na Praça Mauá, Centro do Rio, para liberar um espetáculo teatral que iríamos estrear no Sesc.

Éramos obrigados a encenar o espetáculo para três censores da Polícia Federal, sentados à nossa frente, com canetas e pranchetas à mão, anotando o que dizíamos em cena, cortando palavras que julgavam inconvenientes ao regime militar. Somente após esse humilhante processo, obtínhamos o certificado de classificação etária emitido pela Censura Federal, que nos autorizaria subir ao palco.

Hoje vivemos um Brasil democrático, mas que infelizmente tem parte de sua população e classe política que ainda flerta com o desejo de restabelecer a ditadura, a censura e a tortura. Em pleno século 21, assistimos a tentativa de golpes contra a nossa liberdade. Eles não conseguirão.

Neste 31 de março de 2024, devemos elevar nossos pensamentos aos que lutaram contra a barbárie, e que utilizaram como arma o Teatro. O Teatro que tem aproximadamente 2.500 anos de vida, e que jamais morrerá.

O Teatro é a prova viva da resistência e amor à liberdade de pensamento e expressão. Nenhum regime opressor será capaz de silenciar o Teatro.

O Teatro brasileiro será sempre uma trincheira atenta, pronto para a luta e resistência democrática.

Nossos aplausos ao Teatro, aos que a ele dedicaram suas vidas, e vivas à Democracia.

*Francis Ivanovich é jornalista, dramaturgo e cineasta, criador e diretor do Prêmio Nacional de Dramaturgia Flávio Migliaccio, e editor geral do Notícias do Teatro.


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