Por Francis Ivanovich*:

Fui ao CCBB de Belo Horizonte ver o magnífico espetáculo-musicado  “Fausto”, último trabalho de direção de Zé Celso, que ao lado de Fernando de Carvalho, adaptou o texto original de Christopher Marlowe

O espetáculo brasileiro se define como  Tragikomédiaorgia, mas julgo que Fausto é também, sem dúvida, um autêntico manifesto-musical-antropofágico-zecelsiano.

O espetáculo no CCBB foi criado pelo produtor Luque Daltrozo e pelo ator Ricardo Bittencourt, que interpreta de maneira competente, equilibrada e lúcida o ambicioso Dr. Fausto, o homem que deseja obter o total conhecimento sobre as coisas, e que para isso negocia sua alma com o diabo, cujo cenário é um Brasil com seus “infernos” singulares.

Ao lado do protagonista, integrantes talentosos e versáteis do Teat(r)o Oficina, com destaque para Marcelo Drummond como Lúcifer, Luciana Domschke como Mefistófeles, Gui Calzavara como Wagner,  e Wilson Feitosa, Sylvia Prado, Beatriz Id, Roderick Himeiros, Tony Reis, Gabriel Frossard, Felipe Botelho, Ito Alves, Will Feitosa, que além de interpretarem, formam uma banda musical que pontua e dá ritmo à encenação, conferindo uma textura sonora das mais interessantes, através de composições originais.

Os personagens são seguidos no palco pelo incansável câmera man Igor Marotti, cujas imagens são projetadas num telão, em tempo real, intercaladas por projeções pertinentes.

Raramente vi, em cena, este recurso visual, com direção de imagens de Ciça Lucchesi, ser tão bem utilizado, cujo efeito realmente apoia e contribui para a encenação, criando um ambiente de magia necessário e diálogo com a plateia, não sendo apenas aparato técnico de exibicionismo com ambição de cinema.

Dividido em dois atos, com intervalo de 15 minutos, o espetáculo  de 1h50min propícia ao público a reflexão deliciosa e maliciosa de um Brasil polarizado, cujos príncipes das trevas são oriundos dos abissais (sub)mundos da política nacional, com seus projetos de poder, seja à direita ou à esquerda.

Fausto revigora a cena teatral brasileira, no melhor estilo zecelsiano, um teatro crítico, bem humorado, inteligente, sem pretensão de intelectualismos decoloniais,  que toca em questões primordiais ao humano e ao país, confirmando como fará falta ao teatro nacional esse diretor que jamais se rendeu as ditaduras das armas e da grana.

Merece os melhores elogios toda a equipe de Fausto, seus atores, atrizes, músicos e técnicos, por oferecer ao público um espetáculo coletivo de  alma e resistência, marcas genuínas do teatro brasileiro, alma esta que jamais será vendida aos diabos de plantão de um Brasil que vive o eterno dilema de se tornar paraíso ou inferno.

Fausto, despedida de Zé Celso, espetáculo que em breve ocupará o CCBB do Rio de Janeiro, merece ser apreciado, com prazer.

Francis Ivanovich é jornalista, dramaturgo e cineasta, criador e diretor do Prêmio Nacional de Dramaturgia Flávio Migliaccio, e editor geral do Notícias do Teatro.


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