(Tradução de Wilson Coêlho)

Fernando Arrabal, amigo dos mais seletos do mundo cultural como Samuel Beckett, Eugène Ionesco, Marcel Duchamp, Tristan Tzara e Andy Warhol, passou três anos no grupo surrealista de André Breton na capital francesa.

Em 1967 regressou a Espanha para apresentar e assinar um dos seus livros e precisamente por causa do que escreveu numa dessas dedicatórias foi condenado a 12 anos de prisão.

 Mas graças a uma intensa campanha internacional liderada por Henry Miller e Samuel Beckett, entre outros, ele foi libertado.

Como resultado de suas obras e de uma carta pública que enviou a Franco (enquanto o ditador ainda estava vivo), ele foi uma das seis pessoas (junto com Rafael Alberti, Santiago Carrillo, La Pasionaria, Líster e El Campesino) que foram proibidas de entrar na Espanha pelo ministro das Relações Exteriores, José María Areílza, em 1976.

Penso que esta breve introdução é mais do que necessária para compreender o escritor e sua obra; tendo em conta que é um autor especialmente representado universalmente…

Este é a obra que temos a oportunidade de desfrutar na sala Mirador.

“… e colocaram algemas nas flores” é a história de qualquer cela em qualquer prisão na Espanha. É a história de Amiel, Katar e Pronos, três presos há mais de vinte anos (“não pode ser, o tempo máximo que alguém pode ficar na prisão é de 20 anos”, diz um dos personagens).

Os dias passam enquanto esperam a chegada e para saber o destino de Tosan, outro companheiro de prisão condenado à morte.

A obra nos fala sobre os anos mais difíceis daquela época, inclusive, mais até do que a guerra em si. A vida no pós-guerra, numa prisão de quem perdeu tudo, a guerra, a ilusão e a esperança.

Vemos como cada um deles se apega a algo que lhes permite sobreviver ao difícil dia-a-dia na prisão.

Amiel não para de sonhar, sonha que sonha, sonha que pensa… Katar, mais pragmática, agarra-se à realidade que têm de viver, uma realidade sem futuro. Pronos, por outro lado, parou de falar por tudo o que lhe foi dado viver.

São pessoas que, apesar de tudo o que viveram e das circunstâncias em que se encontram, não perderam a dignidade, continuam a lidar com o dia a dia mesmo com piadas e sentido de humor, algo impensável.

Somos testemunhas dos medos, os desejos e as ilusões que, depois de tudo o que viveram, ainda continuam tendo.

O autor introduz a história de … um condenado à morte após um “julgamento” militar, mesmo não sendo militar. São mostrados os fatos reais que aconteceram ao longo do julgamento, bem como todas as providências tomadas pela mulher do condenado… para que os poderes constituídos intercedessem junto ao ditador para comutar a pena do marido.

Nuca López e Daniel Coronado são os responsáveis pela direção. Sobre a obra, Nuca López ressalta que “É um texto humano, muito necessário devido ao momento político que estamos vivendo. A obra serve para que as novas gerações não se esqueçam do que foi vivido depois da guerra.”

Quanto à adaptação, indicam que “Nos apegamos bastante ao texto e eles sentem-se muito afortunados por contarem com o dramaturgo desde o primeiro momento”.

Por seu lado, Daniel Coronado explica que “Ttrabalhar neste texto tem sido a nossa forma de quebrar o silêncio que Espanha viveu durante tanto tempo” e continua: “Os três aguardam a chegada de Tosán, um companheiro que foi condenado à morte por desempenhar o papel de um Cristo moderno, que é executado e ressuscitado, representando a esperança de um novo mundo tolerante e livre”.

Nuca López e Daniel Coronado também são responsáveis pelo figurino e a cenografia. Um espaço minimalista com uma parte do palco ocupada pela cela e a outra pelo espaço onde os presos deixam seus sonhos fluírem.

Miguel Valriberas é responsável pelo projeto de som e Luis del Valle é responsável pela iluminação, muito cuidadoso o trabalho de ambos.

O elenco é formado por Samuel Buitrago, Felipe Lorenzo, Luis del Rosal, Francisco de los Mozos, Aroa García, Vicenta González, Sara Rodas. O trabalho de todos eles é muito solvente, mas gostaria de destacar Vicenta González, impecável em todos os papéis que interpreta.

Em suma, uma oportunidade imbatível para descobrir um dos melhores dramaturgos… A única coisa que espero é que ele tenha o sucesso de crítica e de público que merece para que possa estar no palco por mais tempo.


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